24/10/2025

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A Decisão Inovadora do STJ: Um Novo Horizonte para a Responsabilidade Fiscal dos Consórcios

Em 7 de outubro de 2025, o STJ, por meio do julgamento unânime do REsp 1.647.368/PE, proferido pela 2ª Turma e relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, redefiniu o alcance da responsabilidade fiscal dos consórcios. A decisão não apenas reforça, mas amplia os limites do planejamento tributário, consolidando uma jurisprudência que busca uma maior efetividade na cobrança fiscal. A uniformização de entendimento entre os colegiados de direito público, com a 1ª Turma já tendo decidido no mesmo sentido meses antes, demonstra uma tendência clara e consolidada.

A essência dessa reformulação reside na reversão de um acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) que havia reconhecido a ilegitimidade passiva do consórcio, argumentando a ausência de personalidade jurídica. No entanto, o STJ, no caso do Consórcio EBE-ALUSA, restabeleceu a cobrança de créditos fiscais – especificamente, contribuições previdenciárias – que haviam sido desconsiderados, afirmando categoricamente que consórcios empresariais, mesmo aqueles desprovidos de personalidade jurídica própria, podem, sim, ser responsabilizados diretamente por dívidas fiscais.

Este movimento do STJ é um sinal inequívoco de que a realidade econômica das operações passará a ter um peso cada vez maior. A partir de agora, a forma jurídica não será um escudo impenetrável, especialmente quando confrontada com os princípios da legalidade e da moralidade tributária, que são pilares da arrecadação eficiente e justa. 

A fundamentação do Ministro Marco Aurélio Bellizze para essa decisão baseia-se em uma interpretação conjunta e harmoniosa de três dispositivos legais cruciais, conforme detalhado no Relatório e Voto por ele proferido. Essa articulação é a chave para entender a profundidade da mudança, que corrige uma suposta interpretação equivocada da instância inferior.

Inicialmente, o voto aborda a questão central da ilegitimidade passiva do consórcio, reconhecida pelo TRF-5 devido à sua “ausência de personalidade jurídica”. Contudo, o Ministro Bellizze destaca que, embora a Lei n. 6.404/1976, em seu art. 278, §1º, estabeleça que “o consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade” essa circunstância não o impede de figurar como sujeito passivo de obrigação tributária.

Aqui reside o ponto nevrálgico da decisão: a crucial aplicação do Art. 126, III, do Código Tributário Nacional (CTN). O voto esclarece: “a capacidade tributária passiva independe […] de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional”.

O voto refuta a interpretação do acórdão recorrido, que aplicava o art. 126, III, do CTN apenas a “sociedades irregulares e de fato, ou seja, entidades que detêm personalidade jurídica”. O Ministro Bellizze corrige essa visão, afirmando que “sendo o fato gerador praticado pelo consórcio de empresas, daí exsurge a sua responsabilidade pelo adimplemento da obrigação tributária, sendo irrelevante, para esse fim, a existência ou não de personalidade jurídica”. Ele reforça que “o consórcio consubstancia inequívoca unidade econômica, ensejadora da capacidade tributária passiva, como preceitua o inciso III do art. 126 do CTN”.

Para contextualizar a questão da personalidade jurídica, o voto ainda cita os Arts. 45 e 985 do Código Civil, que definem que a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição de seu ato constitutivo no registro competente. Ao fazer isso, o STJ demonstra que a ausência de registro formal – e, portanto, de personalidade jurídica – não se equipara à ausência de uma “unidade econômica” para fins tributários.

Em complemento, o Ministro Bellizze invocou o Art. 75, inciso IX, do Código de Processo Civil (CPC), que “preconiza […] que serão representados em juízo, ativa e passivamente, a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens”. Isso confere aos consórcios, como entes despersonalizados, capacidade de serem partes em um processo judicial. Adicionalmente, a Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal), em seu art. 4º, III e IV, estabelece que a execução fiscal pode ser promovida contra o espólio e a massa, que são “espécies de entes despersonalizados, tal como o referido consórcio”. Essa interpretação sistemática do ordenamento jurídico brasileiro corrobora a capacidade judiciária do consórcio.

A análise do voto também destaca a Lei n. 12.402/2011, cujo art. 1º, §1º, é fundamental. O dispositivo assevera que:

“O consórcio que realizar a contratação, em nome próprio, de pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício, poderá efetuar a retenção de tributos e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias, ficando as empresas consorciadas solidariamente responsáveis” (Lei n. 12.402/2011, art. 1º, § 1º).

O Lei n. 12.402/2011, segundo o voto, corrobora a responsabilidade tributária do consórcio, especialmente no que tange às contribuições previdenciárias patronais e outras contribuições, conforme explicitado no §3º do mesmo artigo. O voto ainda cita a Instrução Normativa RFB n. 1.199, de 14 de outubro de 2011, que, em seu art. 6º, § 1º, II, esclarece que a responsabilidade pela retenção e recolhimento de tributos recairá sobre o consórcio quando este “realizar a contratação, em nome próprio, de pessoas jurídicas e físicas, com ou sem vínculo empregatício, mediante a utilização do CNPJ próprio do consórcio e desde que este também efetue os pagamentos relativos às contratações” (IN RFB n. 1.199/2011, art. 6º, § 1º, II).

 

A Nova Fronteira da Responsabilidade Fiscal: A Autonomia do Direito Tributário e a Hipótese dos Autos

A Fazenda Nacional, por meio da Procuradoria-Geral, desempenhou um papel crucial neste caso, contestando a desconsideração de fatos geradores legítimos. Sua argumentação, conforme implicitamente acolhida no voto, baseou-se na ideia de que a interpretação dada pelo TRF-5 violava princípios tributários ao afastar a materialidade de operações com nítido conteúdo econômico.

O STJ acolheu essa visão, reafirmando que “não há espaço para presunções de não incidência e que a autonomia do Direito Tributário deve prevalecer frente às categorias do Direito Privado.” Essa é uma declaração poderosa, implicando que a interpretação do direito tributário não pode ser limitada ou distorcida pelas classificações e formas do direito privado. A realidade econômica é soberana. O voto, ao restabelecer a exigibilidade da cobrança, reafirma a integridade da arrecadação.

A Hipótese dos Autos: O caso concreto do Consórcio EBE-ALUSA é ilustrativo, o próprio voto detalha que o juízo de primeiro grau havia rejeitado a exceção de pré-executividade, reconhecendo a legitimidade passiva do consórcio. O consórcio havia sido constituído para participar de um procedimento licitatório da Petrobrás para “execução de obras e serviços” e estava sendo executado fiscalmente para cobrar um débito previdenciário no montante de R$ 3.352.746,00. O TRF-5, ao contrário, deu provimento ao agravo de instrumento, reconhecendo a ilegitimidade do consórcio, decisão esta que foi reformada pelo STJ. A execução fiscal era justamente de “contribuições previdenciárias decorrentes da contratação de pessoal pelo consórcio, em nome próprio”. 

O voto do Ministro Bellizze se baseia em uma série de precedentes do próprio STJ, mencionando julgados de suas Primeira, Terceira e Quarta Turmas. Tais precedentes, como o AgInt no AREsp n. 2.678.194/SP, AREsp n. 2.883.282/RJ e AgRg no AREsp n. 703.654/MS, consolidam a compreensão de que, mesmo sem personalidade jurídica, o consórcio possui “personalidade judiciária” e pode ser parte legítima no polo passivo de execuções fiscais.

Ao final, o Recurso Especial nº 1647368/PE foi conhecido e provido, resultando nas seguintes teses de julgamento, que encapsulam a decisão:

“O consórcio de empresas, embora desprovido de personalidade jurídica, possui personalidade judiciária, podendo ser parte legítima para integrar o polo passivo de execução fiscal.”

“O art. 1º, § 1º, da Lei n. 12.402/2011 corrobora essa acepção, ao assentar que o consórcio que contratar, em nome próprio, pessoas físicas ou jurídicas, poderá responder pela retenção e recolhimento dos respectivos tributos e o cumprimento das respectivas obrigações acessórias, ficando as empresas consorciadas solidariamente responsáveis.”

Os efeitos práticos dessas decisões são imediatos e de grande relevância. Empresas e consórcios que almejam participar de licitações, concessões ou parcerias público-privadas precisarão redobrar a atenção sobre a tributação. A regularidade fiscal, que já era um requisito para a habilitação, agora se consolida como uma condição de permanência nos contratos administrativos.

Isso é, o planejamento tributário e instrumentos contratuais precisam ser revisados preventivamente para se alinhar a essa nova jurisprudência. A mera ausência de personalidade jurídica do consórcio não servirá mais como um escudo contra a cobrança direta. Ademais, quaisquer litígios entre as consorciadas deverão ser resolvidos internamente, sob pena de comprometer a execução contratual e até mesmo resultar no bloqueio de receitas.

 

Integridade Fiscal: O Novo Diferencial Competitivo

A discussão transcende a técnica tributária e reflete uma postura institucional do STJ em “valorizar a integridade e a substância nas relações com o Estado.” O contexto da Lei 14.133/21, a Nova Lei de Licitações, que trouxe consigo parâmetros rigorosos de governança e compliance para as contratações públicas, torna essa decisão ainda mais relevante.

A conformidade tributária, que antes poderia ser vista como uma formalidade burocrática, emerge agora como “elemento estratégico de competitividade e fator de credibilidade empresarial.” Empresas que adotam operações transparentes, mantêm uma escrituração contábil impecável e demonstram boa-fé fiscal não apenas mitigam o risco de autuações, mas também se posicionam de forma robusta para competir e manter contratos públicos em um ambiente de crescente controle e accountability. A mensagem do STJ é clara: “a integridade fiscal é indissociável da licitude econômica.”

 

Conclusão: A Era da Transparência e Responsabilidade Confirmada pelo Voto

Em síntese, a recente jurisprudência do STJ, detalhada no voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze, materializa uma visão em que a substância das operações define os limites entre o planejamento tributário legítimo e o abuso da forma jurídica. O recado para o mercado, especialmente para aqueles que interagem com o Poder Público, é inequívoco e merece ser internalizado: “transparência tributária, governança e aderência à finalidade econômica são, mais do que nunca, condições de sobrevivência no mercado público.”

Este panorama nos convida a uma reflexão profunda sobre as práticas empresariais. Não se trata apenas de cumprir a lei, mas de operar com uma ética e uma clareza que agora são exigidas não apenas pela moralidade, mas pela própria sobrevivência e competitividade no ambiente de negócios. A adaptação a esta nova realidade é imperativa para todos os atores envolvidos. A decisão do STJ no REsp 1.647.368/PE, com seu voto elucidativo, serve como um guia fundamental para essa adaptação.

 

Diego Pereira de Araújo Gomes

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