26/07/2024

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A descabida solidariedade que preocupa as Organizações Sociais de Saúde

É comum em contratos de gestão, cujo objeto seja o fomento de ações e serviços de saúde em hospitais públicos, a previsão de cláusula de responsabilidade, por meio da qual as Organizações Sociais de Saúde (OSS) assumem a obrigação de indenizar todo e qualquer dano ou prejuízo causado a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) em razão dos serviços médico-hospitalares prestados. Isso faz, o mais das vezes, que as OSS tenham que atuar judicialmente na defesa das unidades hospitalares que estejam sob sua gestão, em especial quando a causa versa sobre responsabilidade civil derivada de falha na prestação das ações e serviços de saúde operacionalizados e executados por elas.

No entanto, o fato de atuarem com regularidade na defesa judicial dos hospitais públicos a seu encargo tem, em casos esporádicos, levado as OSS a suportarem o ônus de sentenças condenatórias fundadas em razões estranhas aos serviços e ações de saúde promovidos por eles, mas sim em normas preceptivas constitucionais e legais destinadas exclusivamente ao Estado.

Essa situação preocupa as OSS devido ao risco de trivialização como mais um reflexo dos efeitos deletérios da judicialização da saúde, que individualiza uma mazela coletiva e adota como panaceia a responsabilização indiscriminada de entes públicos e privados, sob o pretenso argumento de implementação de um direito social. O fenômeno em questão tem como principal característica o alto número de demandas que chegam ao Poder Judiciário, buscando, dentre outras coisas, o fornecimento de um medicamento, material, tratamento (cirúrgico, terapêutico, ambulatorial etc.) ou vaga hospitalar junto ao SUS. Com efeito, surgiram julgados que passaram a reconhecer a solidariedade passiva de todos os entes federativos envolvidos na cadeia do SUS, independentemente das regras de repartição de competência.

Em maio de 2019, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 855.178/SE, o Supremo Tribunal Federal (STF) tentou colocar ordem aos rompantes de justiça distorcida e individualizada, estabelecendo o Tema de Repercussão Geral n.º 793, segundo o qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm responsabilidade solidária em demandas prestacionais na área da saúde. Isso porque a solidariedade em prestar saúde decorre da competência material comum existente entre os membros da Federação, prevista no art. 23, inciso II, da Carta Magna. Nesse sentido, o STF declinou regras de legitimidade processual em causas dessa espécie, visando ao respeito do federalismo constitucional e de seus corolários de hierarquização e descentralização, conforme disciplinados em lei e atos normativos regulamentadores.

A despeito dos limites da “ratio decidendi” do aludido precedente vinculante, a sua aplicação desmesurada pelas instâncias inferiores, por enquanto em casos isolados, tem provocado a extensão da responsabilidade solidária, em demandas prestacionais de saúde, aos hospitais da rede pública, ainda que não tenham qualquer controle ou potestade sobre a regulação de pacientes do SUS. Ao nosso sentir, tal entendimento é descabido, visto que inexiste fundamento constitucional ou legal que permita a extensão de responsabilidade pelo fornecimento de medicamento, material ou tratamento aos hospitais públicos, considerando que a solidariedade não se presume.

Todavia, o risco da indevida responsabilização permanece e preocupa as OSS incumbidas de gerenciar, operacionalizar e executar ações e serviços de saúde em hospitais do SUS.

 

Gustavo Lucredi

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