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No modelo atual de contratualização das Organizações Sociais de Saúde (OSS), observa-se um paradoxo — ou melhor, são paradoxos de duas ordens: A EFICIÊNCIA É PENALIZADA E A INEFICIÊNCIA É PREMIADA.
As OSS que se organizam e se preparam cuidadosamente, observando um ciclo de prestação de serviços com excelência de qualidade, cumprindo metas e gerindo os recursos que lhes são confiados de forma otimizada, são obrigadas a devolver eventual superávit ou a prestar serviços extras não previstos inicialmente no contrato de gestão.
Em contrapartida, não é incomum o cenário no qual aquelas OSS que não atingem seus objetivos sejam amparadas por novos repasses e ajustes contratuais, impulsionando a ineficiência e reduzindo o fomento à melhoria do sistema de saúde.
Essa dinâmica cria um incentivo perverso, desestimulando a boa gestão.
Invariavelmente, em vez de serem recompensadas pela competência, as OSS mais eficientes são penalizadas, pois sua boa administração reverte apenas na obrigação de devolução dos saldos financeiros remanescentes — ou seja, do superávit alcançado — ao órgão repassador ou, no limite, se traduz em uma carga adicional de serviços não planejados e, muitas das vezes, desnecessários ou menos interessantes e produtivos que outras atividades.
Por outro lado, as OSS que falham na eficiência na prestação do serviço e/ou na qualidade deste deveriam estar sujeitas a medidas corretivas rigorosas, incluindo planos de reestruturação, auditorias mais frequentes e condições mais restritivas para novos repasses. Isso incentivaria a melhoria contínua em vez da perpetuação do baixo desempenho.
Chama a atenção que esta prática nociva aparentemente deriva de interpretação “bastante” equivocada acerca da disciplina legal aplicável às Organizações Sociais.
É que o Código Civil, por exemplo, ao tratar da constituição e funcionamento das associações (artigo 53 e seguintes), estabelece, entre outros requisitos, que elas “se organizem para fins não econômicos”, porém não traz sequer indício da ideia de devolução de saldos de recursos a elas disponibilizados. Não estabelece restrição alguma na matéria.
A Lei federal nº 9.637/1998, que dispõe sobre a qualificação de entidades como organização social, prescreve que um dos requisitos para habilitação à qualificação é que no ato constitutivo da instituição conste “a obrigatoriedade de investimento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades”.
Por sua vez, a Lei Complementar nº 846/1998, disciplinando a qualificação de OS no Estado de São Paulo, reproduz a norma federal com conteúdo idêntico (artigo 2º, I, “b”).
De igual modo, o substitutivo ao Projeto de Lei 10.720/2018, alterando o marco legal das OS, presentemente em trâmite na Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, preconiza as mesmas determinações antes referidas.
Perceba-se que nenhuma das normas ou “planejamento” de normas aqui exemplificadas determina devolução de superávit ou assunção de maior volume de serviços já contemplados, ou a inclusão de serviços inéditos, no plano de trabalho do contrato de gestão ou do termo de convênio.
Temos a ousadia de afirmar que a compreensão dessa parcela do regime jurídico aplicável ao modelo de OSS é simples.
A instituição deve ter finalidade não econômica, ou seja, não pode distribuir excedentes aos seus associados porque isso corresponderia à distribuição de lucro, mas pode obter superávit, ou resultados econômicos excedentes, rentáveis, vantajosos, benéficos — é irrelevante a nomeação a ser adotada — desde que invista tais resultados profícuos no desenvolvimento das próprias atividades.
É o que estabelecem as normas legais sobre o assunto. E nada nesta determinação diz que investimento nas próprias atividades significa reconduzir os recursos obtidos ao órgão repassador ou aplicar tais recursos na forma determinada unilateralmente pelo órgão repassador.
Mas, em geral é esta a interpretação que tem sido acolhida no âmbito da atuação de entidades nos serviços de assistência complementar à saúde.
É a publicização do privado, vivenciada de forma literal.
A Administração Pública “se esquece” e se afasta da motivação para a inclusão das OSS como parceiras na implementação dos objetivos do Sistema Único de Saúde – SUS e retira delas sua autonomia, negando o exercício de suas habilidades na promoção da assistência à saúde e engessando a evolução de seu desempenho.
A continuidade e o asseguramento dos resultados valiosos gerados pelo modelo reclamam mudanças. Uma solução viável passa pela a reformulação dos contratos de gestão e dos termos de convênio, assim como das parcerias correlatas, permitindo que as OSS que alcancem altos índices de eficiência possam reinvestir parte de eventual superávit em capacitação, infraestrutura e desenvolvimento de projetos inovadores.
O superávit de ajustes com OSS deveria ser realocado para a modernização da gestão, pesquisa científica e outras iniciativas que aprimorem a qualidade do serviço prestado e o avanço da medicina.
Igualmente fundamental a modernização dos processos de medição de desempenho, garantindo mais transparência e eficiência na avaliação dos resultados.
A reestruturação das regras de contratação das OSS deve priorizar a sustentabilidade das instituições e a continuidade dos serviços públicos de qualidade, assegurando que a eficiência seja reconhecida e valorizada, em vez de tratada como um obstáculo burocrático.
Pedro Paulo Porto Filho e Valéria Hadlich Camargo Sampaio, sócios do Porto Advogados