14/07/2020

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Crise econômica e recuperação judicial

Os impactos da covid-19 ainda estão sendo calculados na economia, mas previsões já conseguem dimensionar a influência no PIB[1] do Brasil. De acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), em sua última revisão (24/06), a queda deverá ser de 9,1%; já para o Boletim Focus (26/06) do Banco Central, de -6,5%; e, na visão da equipe da TCP Partners, -6,8%. São números jamais vistos na história do país.

Mas como será a recuperação da economia? Esta é uma pergunta recorrente feita por investidores nacionais, internacionais e empresários para a equipe da TCP Partners.

Analisamos e, para o nosso time, a recuperação será lenta e com velocidades diferentes. Para setores que dependem da massa salarial e emprego como varejo, construção e automotivo, a retomada será de sacrifícios, pois projetamos taxa recorde de desemprego ~17% (média 2020).

Mesmo com as iniciativas do setor público para amenizar os impactos, os ruídos políticos do enfrentamento da crise vêm passando insegurança para os empregadores. Os poderes judiciário, legislativo e executivo precisam criar “sintonia fina” para que as medidas já anunciadas gerem segurança e uma nova agenda pós covid-19 atenda as classes sociais mais afetadas. Enquanto isso, vemos grande número de negócios fragilizados e alta probabilidade de ruídos sociais.

A fragilidade econômica está causando apreensão entre as empresas e muitos já estão buscando amparo nos instrumentos legais para protegerem os seus negócios.

O escritório Porto Advogados vislumbra que a crise econômico-financeira provocada pela pandemia obrigará os empresários a se reinventarem, a negociarem seu passivo e até mesmo a que empresas se valham da recuperação judicial, instituto voltado à sua preservação e à manutenção de sua função social.

No cenário jurídico, a equipe do Porto Advogados lembra que, dentre os mecanismos para reestruturação do empresário, destaca-se a alienação judicial de unidades produtivas isoladas (UPI), medida largamente utilizada e que apresenta importantes resultados práticos. Muitas vezes, a obtenção de capital necessário à superação da crise é alcançada com a venda de bens próprios, permitindo que a atividade empresarial enxuta se torne mais lucrativa, com redução de custos necessários à preservação da estrutura que não detém mais significativa utilidade e lucratividade.

A Lei de Recuperação de Empresas previu a possibilidade de alienação da UPI, garantindo ao adquirente a isenção do ônus da sucessão empresarial, que ordinariamente ocorre em caso de trespasse do estabelecimento.

A lei não definiu UPI (conceito indeterminado), orientando-se a doutrina pela sua aproximação com o conceito de estabelecimento. A jurisprudência, contudo, tem sido mais flexível, admitindo a alienação como UPI de quaisquer ativos individuais. Vale lembrar precedente, reconhecendo a venda de Slots (autorização de pouso e decolagem em aeroportos) como UPI[1], ou ainda de glebas de imóvel maior, integrantes de ativo não-operacional.[2]

A alienação de UPI demanda sua inclusão no plano de recuperação judicial e aprovação pela Assembleia Geral de Credores (AGC). Assim, exige-se a constituição cuidadosa da UPI, com sua caracterização detalhada, avaliação criteriosa, demonstração de sua viabilidade econômica e possibilidade técnica (p.ex., atendimento de exigência de órgãos reguladores) e de como o produto da arrematação interferirá no soerguimento da empresa recuperanda. A previsão genérica será considerada não escrita, de forma que não contará com a anuência dos credores.

A aprovação submete-se à fiscalização de sua constituição pelos credores, administrador judicial, Ministério Público e pelo juiz. Dessa forma, a constituição regular e segura garantirá uma aprovação soberana da AGC, sem risco de inviabilidade pelo controle judicial de legalidade.

A alienação da UPI acarreta a blindagem do efeito sucessório das obrigações. A unidade produtiva isolada é alienada livre de ônus. O adquirente não sucede nas obrigações do devedor ou dos bens arrematados, inclusive nas tributárias, trabalhistas, ou de qualquer outra natureza. O Supremo Tribunal Federal[3] já considerou constitucional a ausência de sucessão, que busca a preservação da empresa sem o ônus dos vínculos trabalhistas, sendo a orientação seguida pelo Tribunal Superior do Trabalho.[4]

Essa garantia torna a alienação mais atraente e vantajosa para todos. Afinal, ao reduzir o risco dos adquirentes, aumenta o valor da arrematação, melhor satisfazendo os credores. Além disso, assegura a continuidade da empresa, a manutenção dos postos de trabalho, o fornecimento dos produtos ao consumidor etc.

Embora, para afastar o ônus da sucessão empresarial, a lei exija que a venda seja realizada através de leilão, propostas fechadas ou pregão, pois só assim seria possível alcançar o melhor preço, a jurisprudência tem admitido até mesmo a venda direta. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça apreciou a matéria e reconheceu validade à venda direta da UPI, em situação excepcional, justificada minuciosamente e aprovada no plano de recuperação judicial[5].

[1] Fonte: FMI, Banco Central do Brasil. Elaboração TCP Partners

[2] TJSP; Agravo de Instrumento 2098259-35.2019.8.26.0000; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 10/09/2019; Data de Registro: 03/10/2019.

[3] TJSP; Agravo de Instrumento 9023658-85.2009.8.26.0000; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: N/A; Foro de Americana – 2ª VARA CIVEL; Data do Julgamento: 05/05/2009; Data de Registro: 20/05/2009.

[4] ADI 3934, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-02 PP-00374 RTJ VOL-00216-01 PP-00227.

[5] ” RR-20218-39.2016.5.04.0782, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhães Arruda, DEJT 24/04/2020.

[6] REsp 1689187/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020.

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