08/08/2024

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Diretiva da União Europeia 2024/01760 relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade e que altera a Diretiva (UE) 2019/1937 e o Regulamento (UE) 2023/2859

Introdução

A Diretiva da União Europeia 2024/01760 (a “Diretiva”) foi aprovada em 13 junho de 2024 como parte de um amplo esforço da União Europeia para fortalecer as normas de sustentabilidade e responsabilidade social no ambiente empresarial global. Essa iniciativa surge em resposta à crescente preocupação com questões ambientais, sociais e de governança (ESG), motivada por eventos climáticos extremos, escândalos corporativos de violações dos direitos humanos e pressões da sociedade civil por práticas empresariais mais éticas.

A Diretiva busca assegurar que as empresas que operam no mercado europeu, independentemente de sua localização, sigam padrões rigorosos de sustentabilidade e transparência, promovendo assim uma economia mais justa e sustentável.

Apesar de a Diretiva obrigar diretamente empresas europeias ou suas subsidiárias controladas, a norma alcançará empresas brasileiras (ou com operação no Brasil) que participam da cadeia de atividades daquelas – por exemplo, na extração de minerais, na originação de commodities agrícolas, transporte, armazenamento e manufatura de produtos.

A Diretiva será implementada em três fases, entre 2027 a 2029. Os estados-membros da UE têm até 26 de julho de 2026 para implementar e divulgar as legislações, regulamentações e medidas administrativas exigidas para cumprir a diretiva. Apenas após a introdução de normas específicas em cada estado-membro é que as empresas estarão obrigadas a seguir as novas regras.

Quem deve se adequar

A Diretiva da União Europeia 2024/01760 estabelece critérios específicos para determinar quais empresas são obrigadas a cumprir seus requisitos. As primeiras empresas sujeitas às novas regras serão as que tiverem mais de 5 mil empregados e faturamento global superior a 1,5 bilhão de euros no ano de 2027. Em 2029 empresas da UE (em base individual ou consolidada) com mais de 1.000 colaboradores em média e um faturamento líquido global superior a 450 milhões de euros e as empresas não pertencentes à UE (em base individual ou consolidada), que gerem um faturamento líquido superior a 450 milhões de euros milhões dentro da EU deverão se adequar.

Filiais e subsidiárias de grandes empresas europeias fora da UE também estão sujeitas aos mesmos requisitos se fizerem parte do escopo consolidado da empresa-mãe.

Pequenas e Médias Empresas (PMEs) estão geralmente isentas dos requisitos diretos da diretiva, a menos que façam parte da cadeia de suprimentos de empresas maiores que estão obrigadas a cumprir as regras. No entanto, elas podem ser indiretamente afetadas se forem fornecedores de empresas que precisam demonstrar conformidade com os padrões ESG exigidos.

Principais Temas da Diretiva

  1. Responsabilidade Social Corporativa: A diretiva reforça a importância da responsabilidade social corporativa, exigindo que as empresas adotem práticas que respeitem os direitos humanos e garantam condições de trabalho justas em toda a sua cadeia de suprimentos. Isso inclui o combate ao trabalho infantil, trabalho forçado e discriminação.
  2. Sustentabilidade Ambiental: Um dos pilares da diretiva é a sustentabilidade ambiental. As empresas são obrigadas a reduzir suas emissões de carbono, minimizar o desperdício e implementar práticas que preservem a biodiversidade. A diretiva incentiva o uso de energias renováveis e a adoção de tecnologias limpas.
  3. Governança Corporativa: A governança corporativa é outro foco importante, com ênfase na transparência e responsabilidade das empresas. A diretiva exige que as empresas implementem mecanismos robustos de governança que promovam a ética nos negócios e previnam a corrupção.
  4. Devida Diligência na Cadeia de Suprimentos: A devida diligência é uma obrigação central, exigindo que as empresas identifiquem, previnam e mitiguem impactos adversos em suas cadeias de suprimentos. As empresas devem realizar auditorias regulares e relatórios de conformidade para garantir a aderência aos padrões ESG.

Impactos nas Empresas no Brasil

Empresas que se adequem às condições de aplicabilidade mencionadas acima precisarão revisar seus processos de produção para garantir que atendam aos padrões ambientais exigidos pela Diretiva. Isso pode incluir (i) a adoção de tecnologias mais sustentáveis e (ii) a revisão de suas fontes de matérias-primas. Será crucial para as empresas garantir que toda a sua cadeia de suprimentos esteja em conformidade com as normas de devida diligência. Isso pode exigir auditorias mais rigorosas e parcerias com fornecedores comprometidos com práticas sustentáveis.

Adicionalmente, (iii) a necessidade de maior transparência exigirá que as empresas melhorem suas práticas de governança, incluindo relatórios mais detalhados sobre suas operações e impactos sociais e ambientais.  Finalmente, (iv) investimentos em sustentabilidade serão fundamentais para atender às exigências da Diretiva. Isso pode incluir desde a atualização de infraestruturas até o treinamento de funcionários em práticas sustentáveis.

Compatibilidade com as Normas Brasileiras

O Brasil já possui uma série de leis e regulamentos que se alinham aos princípios da Diretiva, exemplificando, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) e a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010). Além disso, a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) estabelecem diretrizes importantes para a governança corporativa e a transparência. No entanto, a necessidade de maior devida diligência nas cadeias de suprimentos pode exigir ajustes específicos na legislação brasileira, especialmente em áreas relacionadas à responsabilidade social corporativa e ao respeito aos direitos humanos.

Alguns Desafios e Sugestões

A harmonização das normas europeias com as brasileiras pode exigir revisões legislativas e regulamentares complexas, principalmente em setores como mineração e agronegócio. Empresas brasileiras, podem enfrentar desafios para se adequar aos padrões exigidos, necessitando de apoio governamental e investimentos em capacitação.

É importante que sejam implementados mecanismos eficazes de monitoramento e fiscalização para garantir o cumprimento da diretiva, mas será desafiador, dada a extensão e diversidade das cadeias de suprimentos brasileiras.

Formar parcerias com outras empresas e organizações pode facilitar o acesso a recursos e conhecimentos necessários para cumprir a Diretiva.

Investir no treinamento de funcionários para promover práticas sustentáveis e devida diligência será crucial.

Em algumas situações, o suporte governamental  será necessário, através de programas de apoio governamental e de organizações internacionais para acessar financiamento e recursos que facilitem a adaptação à Diretiva.

Oportunidades e Benefícios

A conformidade com a diretiva pode aumentar a competitividade das empresas brasileiras no mercado europeu, ampliando suas oportunidades de exportação. A adoção de práticas sustentáveis pode impulsionar a inovação tecnológica e promover um desenvolvimento econômico mais responsável e sustentável. Empresas que adotam práticas alinhadas à Diretiva podem fortalecer sua imagem e reputação, conquistando maior confiança de investidores e consumidores.

Ganhos econômicos de longo prazo virão, conforme já mencionado e exemplificado em textos anteriores sobre a conformidade com os princípios ESG e ganhos econômicos.

A Diretiva e a Amazônia

Mineração e agronegócio na Amazônia são relevantes para a economia brasileira, mas enfrentam desafios significativos em termos de sustentabilidade. Por outro lado, a Amazônia é frequentemente associada ao desmatamento ilegal e à degradação ambiental, bem como condições proibitivas ao trabalhador, práticas que são fortemente condenadas pela Diretiva.

As empresas presentes no bioma Amazônico precisarão adotar medidas muito rigorosas para garantir que suas operações não contribuam para retaliações comerciais. As empresas precisam implementar práticas e desenvolver tecnologias de manejo sustentável para preservar a biodiversidade e os ecossistemas locais.

Garantir a conformidade com as leis locais e internacionais será um enorme desafio, especialmente em regiões remotas onde a fiscalização pode ser limitada. A obtenção de certificações de sustentabilidade poderá diferenciar produtos amazônicos no mercado europeu, aumentando seu valor e atratividade. Investir em tecnologias e práticas sustentáveis aumentará a produtividade e reduzirá o impacto ambiental, alinhando-se aos requisitos da Diretiva.

Neste contexto, colaborações com ONGs, governos e instituições de pesquisa podem ajudar a desenvolver soluções inovadoras para os desafios ambientais e sociais na Amazônia.  Empresas que demonstram compromisso com a sustentabilidade melhoraram sua reputação global, atraindo investimentos e parcerias estratégicas. Trabalhar em colaboração com comunidades locais, promovendo o desenvolvimento sustentável e respeitando os direitos e tradições culturais facilitarão este caminho.

A adoção de sistemas de conformidade robustos garantirão que as mercadorias produzidas na região não estejam associados a práticas de desmatamento ou degradação ambiental e social.

Conclusão

A Diretiva pode ser vista sob diferentes perspectivas, e as opiniões sobre ela variam dependendo do ponto de vista adotado. Vou explorar ambas as perspectivas:

Alguns argumentam que a Diretiva pode ser utilizada como um mecanismo de reserva de mercado, criando barreiras comerciais para produtos de países em desenvolvimento que não conseguem cumprir rapidamente os padrões exigidos. Isso pode favorecer as empresas europeias, que estarão mais rapidamente alinhadas com as práticas ESG exigidas. Empresas de nações em desenvolvimento podem enfrentar custos mais altos para ajustar suas operações aos requisitos apresentados, o que pode prejudicar sua competitividade em relação às empresas europeias.

A Diretiva também pode ser vista como uma tentativa de impor a cultura e as normas europeias a outras nações, desconsiderando as especificidades locais e contextos socioeconômicos. Isso poderia levar à homogeneização de práticas que não necessariamente se aplicam de forma equitativa a todos os países. A implementação de padrões uniformes sem considerar as realidades locais pode ser vista como uma forma de colonialismo cultural, onde as normas ocidentais são consideradas superiores às práticas locais.

Por outro lado, a crise climática e a degradação ambiental são problemas globais que exigem ações coordenadas. A Diretiva pode ser vista como uma tentativa de estabelecer padrões globais para proteger o meio ambiente e a sociedade, independentemente das fronteiras nacionais. A proteção dos direitos humanos é um princípio universal, e a Diretiva busca garantir que todas as empresas, independentemente de onde operam, respeitem esses direitos.

A Diretiva busca incentivar que empresas em países em desenvolvimento adotem práticas mais sustentáveis e eficientes, o que pode, a longo prazo, resultar em benefícios econômicos e ambientais. Ao exigir devida diligência nas cadeias de suprimentos, a Diretiva pode ajudar a fortalecer as práticas de governança e sustentabilidade em nível global, promovendo maior transparência e responsabilidade.

A Diretiva da União Europeia 2024/01760 pode ser interpretada de maneiras diversas. Enquanto alguns a veem como uma ferramenta protecionista ou uma imposição cultural, outros a consideram uma resposta necessária aos desafios globais que enfrentamos hoje, como as mudanças climáticas e a proteção dos direitos humanos. No entanto, para que a Diretiva seja eficaz e justa, é crucial que ela seja implementada sempre incentivando a colaboração e o diálogo entre as nações.

A Diretiva da União Europeia 2024/01760 representa uma oportunidade e um desafio. As empresas poderão encontrar caminhos viáveis para a conformidade por meio de inovação, colaboração e capacitação, garantindo sua competitividade e sustentabilidade no cenário global.

Fábio Martinelli

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