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Passados mais de vinte anos da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio-92), examinaremos a seguir, sem claro buscar exaurir o tema, o desenvolvimento e os limites do arcabouço institucional para a gestão ambiental nos municípios brasileiros, evidenciando a importância dessa esfera de governança na promoção do desenvolvimento sustentável.
Contextualizando o cenário pós-Rio-92, embora tenham ocorrido avanços notáveis, ainda há muito por fazer para consolidar uma gestão ambiental efetiva em âmbito local.
Aliás, muito antes, numa perspectiva histórica, não podemos deixar de comentar a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e as suas origens na Lei nº 6.938/1981, que de forma inovadora, estimulou a participação social. Ato contínuo, temos o papel da Constituição de 1988 e o impacto da Rio-92 na descentralização das ações ambientais, promovendo maior autonomia aos municípios.
Destaca-se que a descentralização ocorreu de maneira fragmentada e que, portanto, há uma necessidade urgente de fortalecer os entes locais, além de estabelecer competências claras e mecanismos de cooperação entre os diferentes níveis de governo.
Dados estatísticos do IBGE evidenciam o desenvolvimento de estruturas institucionais, como órgãos ambientais municipais, conselhos de meio ambiente, fundos de recursos, legislações específicas e a participação social na formulação e fiscalização das políticas ambientais. Todavia, ainda enfrentamos inconsistências na sua efetividade prática, bem como há desafios de qualificação técnica e de recursos financeiros disponíveis.
Enfim, apesar de avanços, muitas dificuldades permanecem, especialmente relacionadas à capacidade técnica e aos interesses privados que podem cooptar a gestão ambiental aos seus propósitos privados.
Legislação:
Conforme disposto no artigo 1º da Constituição Federal de 1988, o país possui uma federação caracterizada por uma descentralização política. Essa descentralização significa que existem diferentes entidades federativas — União, Estados, Distrito Federal e Municípios — que possuem competências próprias e compartilhadas. É fundamental entender que essa repartição de competências visa garantir autonomia e coordenação na gestão de diferentes áreas, sobretudo nas áreas ambientais e urbanísticas, promovendo uma atuação mais eficiente e próxima das necessidades locais.
No que se refere às competências legislativas, há uma distinção entre a elaboração de normas gerais, que estabelecem princípios e diretrizes, e a implementação dessas normas na prática. A competência legislativa concorrente, prevista no artigo 24 da CRFB, permite que tanto a União quanto os Estados e o Distrito Federal legislem sobre questões ambientais. A União atua estabelecendo normas gerais, enquanto Estados e DF podem suplementar essas normas ou legislar de forma plena na ausência de legislação federal, promovendo uma harmonização jurídica em todo o país.
Já os Municípios possuem competência para atuar suplementando as legislações federal e estadual, especialmente em assuntos de interesse local, segundo o artigo 30, inciso II, da CRFB. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento de 2015, reforçou que essa competência deve sempre respeitar a harmonia com as regulatórias estabelecidas pelos demais entes federativos. Ainda assim, há áreas de atuação privativa da União, como temas relacionados às atividades nucleares, recursos minerais, água e populações indígenas, que exigem atuação centralizada e padronizada.
No âmbito da competência material, a atuação do Estado na proteção do meio ambiente é considerada uma competência comum de toda a federação, conforme previsto no artigo 23 da CRFB. Essa cooperação entre os entes federativos visa assegurar o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico e a preservação ambiental, seguindo o princípio do federalismo cooperativo, reforçado pela lei complementar LC 140/2011. Esses instrumentos legais promovem a integração de ações, o fortalecimento do diálogo institucional e uma gestão eficaz dos recursos ambientais.
Análise crítica:
A análise combinada da estrutura legal atual e do capítulo ora examinado e objeto desta resenha, revela uma compreensão profunda e multifacetada da governança ambiental no Brasil, especialmente no contexto municipal, porém também evidencia várias limitações e desafios que merecem reflexão crítica.
Destaca-se a importância do sistema federativo e das ações coordenadas entre diferentes níveis de governo para promover uma gestão ambiental eficaz, porém, há pontos fortes e fragilidades que merecem análises aprofundadas.
Um dos pontos fortes do capítulo examinado e da legislação atual é a valorização do papel do município como esfera de governo mais próxima da sociedade civil e do meio ambiente local. Essa proximidade é vista como um fator essencial para a implementação de políticas públicas que atendam às especificidades regionais, além de potencializar a participação social, fiscalização e o desenvolvimento de ações sustentáveis alinhadas às realidades locais.
Contudo, reconhece-se que, na prática, essa autonomia e potencialidade são muitas vezes frustrados por limitações estruturais, financeiras e institucionais, o que compromete a efetividade das ações municipais.
A questão do fortalecimento municipal é ponto imprescindível e reconhecido, porém criticado por sua fragilidade e muitas vezes insuficiência. Embora existam avanços na criação de órgãos ambientais, conselhos e fundos municipais, há uma forte persistência de práticas tradicionais, como o patrimonialismo e o clientelismo, que limitam a eficácia dessas estruturas. A crítica acerca da fragilidade na qualificação técnica, na alocação de recursos e na implementação de planos eficientes se mostra crucial, pois aponta para uma necessidade de mudanças estruturais, culturais e de gestão que ainda estão longe de serem plenamente realizadas no país.
Outro aspecto relevante é a importância do financiamento sustentável e transparente para garantir a continuidade e a qualidade das políticas ambientais.
A dependência de recursos temporários ou de interesses privados compromete a autonomia e a integridade das ações, especialmente em regiões mais pobres. A recomendação de criar mecanismos de financiamento específicos e acessíveis às realidades locais é essencial, porém, há uma ausência de propostas concretas e detalhadas na implementação dessas soluções, o que enfraquece a argumentação sobre a viabilidade dessas medidas.
Elementos como o comportamento social, cultura de consumo, desigualdades sociais e econômicas, além da educação ambiental, influenciam de forma decisiva na participação cidadã e no sucesso das ações de gestão ambiental, e mereceriam uma abordagem mais integrada. Sem esse entendimento mais amplo, as propostas podem se mostrar limitadas na sua aplicabilidade prática, especialmente em regiões com fortes tradições patrimonialistas e estruturas sociais fragilizadas.
Enquanto a legislação é fundamental, sua efetividade depende de mudanças culturais, de educação e de uma maior inclusão social, que ainda apresentam obstáculos significativos. Assim, a implementação de políticas ambientais não deve ser somente um exercício técnico, mas também um processo cultural, que envolva a transformação de valores e atitudes na sociedade.
Conclusão:
Para que o futuro seja de avanços consistentes, recomenda-se fortalecer o foco para além do campo institucional municipal (Conselhos Municipais e Secretarias de Meio Ambiente), integrando ações de conscientização, fiscalização rigorosa (por mecanismos internos e externos (Ministério Público) e incentivo à participação social de forma mais ampla (ONGs), já bem estabelecidas em alguns municípios.
Assim, garantindo que esses espaços sejam verdadeiramente representativos e que suas deliberações tenham repercussão efetiva na gestão pública contribuirá para uma maior legitimidade dos processos participativos.
Não menos importante, a gestão ambiental municipal deve ser fortalecida e devidamente reconhecida pelos demais entes federativos, pois é neste nível que se dá a interface direta entre o cidadão e as políticas públicas de proteção ao meio ambiente.
O município é a esfera de governo mais próxima da população, onde as ações, programas e projetos ambientais impactam de forma concreta a vida cotidiana das comunidades. É no âmbito municipal que os cidadãos têm maior facilidade de acesso aos órgãos públicos, podendo participar ativamente, fiscalizar e exigir uma gestão mais transparente e eficiente.
Além disso, o município possui o conhecimento mais aprofundado sobre a realidade social e ambiental local, o que o capacita a elaborar e implementar políticas que atendam às especificidades de sua população e do seu território. Essa competência permite configurar um alinhamento mais harmonioso entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental, duas necessidades essenciais ao bem-estar social.
A gestão local, ciente de suas potencialidades e vulnerabilidades, pode promover incentivos sustentáveis ao empreendedorismo, ao mesmo tempo em que preserva seus recursos naturais mais preciosos, contribuindo para um crescimento econômico equilibrado e duradouro.
Reconhecer a importância da gestão ambiental municipal é garantir que o poder público local seja um agente ativo na construção de um ambiente saudável e economicamente viável, fortalecendo a participação social e estimulando uma cultura de responsabilidade compartilhada.
A Lei Complementar (LC) no 140/2011 (Brasil, 2011), que regulamentou o art. 23 da Constituição Federal de 1988, teve o intuito de estabelecer mecanismos de cooperação entre os entes federados para a gestão ambiental. Garantir sua observância fortalece o diálogo entre as os órgãos estaduais, federais e municipais, promovendo o pleno respeito às competências municipais.
A promoção de acordos formalizados, como consórcios públicos ou convênios, como ocorre em alguns municípios do Pará, sendo seu maior exemplo Parauapebas, que estabeleçam claramente responsabilidades, recursos e limites de atuação de cada ente, promove a cooperação e evitando sobreposições ou ingerências indevidas.
É preciso que o Brasil, como nação continental e, por conseguinte, diverso, implemente pactos federativos mais justos, buscando junto ao Congresso Nacional e órgãos de deliberação maior valorização do papel dos municípios no Sistema Federativo, incluindo a transferência de recursos que os compatibilizem a maior responsabilidade técnica.
Somente assim será possível conquistar uma sociedade mais justa, ambientalmente consciente e economicamente próspera.
Fábio Martinelli