10/03/2025

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Horas extras – E se o Judiciário passar a considerar sua natureza como indenizatória?

A recente tese defendida por empresas, que questiona a incidência da contribuição previdenciária sobre as horas extras, pode transformar o cenário jurídico atual. Desde 2014, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido que a contribuição previdenciária incide sobre as horas extras, por considerá-las verba de natureza remuneratória. Na esfera trabalhista, as horas extras também possuem natureza salarial, integrando à remuneração e incidindo em férias, décimo terceiro, FGTS e também nos recolhimentos previdenciários.

No entanto, com base na Lei nº 13.485/2017, que trata de parcelamentos de dívidas previdenciárias de entes públicos, foi desenvolvida uma nova tese, que poderia excluir a contribuição previdenciária sobre as horas extras, considerando-as como verba indenizatória. A mudança legislativa foi fundamental para abrir a possibilidade de revisão dessa interpretação.

A sentença favorável à BMB Mode Center, do Grupo Vamos, no Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro, representa um avanço significativo para as empresas que defendem essa nova interpretação. O juiz federal Bruno Otero Nery reconheceu que, com a vigência do artigo 11 da Lei nº 13.485/2017, as horas extras deixaram de ter natureza remuneratória, o que, por consequência, afastaria a obrigatoriedade da contribuição previdenciária sobre essas verbas. Para as empresas, essa decisão abre um precedente que pode resultar na recuperação dos valores pagos nos últimos cinco anos a título de contribuições sobre horas extras. A restituição dos valores pagos indevidamente pode ter um impacto financeiro expressivo, uma vez que as empresas pagam, em média, 28% sobre as horas extras, considerando INSS, contribuições a terceiros e o RAT (Risco de Acidente de Trabalho).

Contudo, essa questão ainda está longe de uma definição final. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já recorreu da sentença, alegando que a Lei nº 13.485/2017 é aplicável apenas a entes públicos, não sendo possível sua extensão ao regime geral de previdência social, que regula as empresas privadas. A defesa das empresas, no entanto, ressalta que a natureza da contribuição sobre horas extras deve ser reconsiderada, especialmente considerando que a Lei nº 13.485 foi sancionada com o objetivo de regular o pagamento de contribuições previdenciárias em diferentes esferas, e a exclusão das horas extras do campo de incidência da contribuição pode representar uma importante mudança.

A argumentação de que a natureza das horas extras passou a ser indenizatória após a alteração legislativa é robusta, e as empresas têm boas chances de ver a tese prevalecer, uma vez que a jurisprudência se adapta a novas interpretações das leis sempre que surgem modificações substanciais na legislação. No entanto, o resultado dependerá da interpretação dos tribunais superiores. Se a tese se consolidar no Superior Tribunal de Justiça, poderá representar uma verdadeira mudança de paradigma no sistema tributário, com efeitos financeiros não só para as empresas, mas também para os trabalhadores, que poderiam pleitear a exclusão da contribuição previdenciária sobre as horas extras.

Destacamos que o Supremo Tribunal Federal (STF) adota posição semelhante em se tratando de servidores públicos e, conforme entendimento consolidado no Tema n. 163, não incide contribuição previdenciária sobre as horas extras nesses casos.

Em termos de impacto para as empresas, criou-se um precedente, que pode inspirar as companhias a reverem suas práticas de pagamento e recolhimento de tributos. Caso a tese avance, as empresas podem começar a considerar esse novo cenário de forma estratégica, a fim de evitar pagamentos excessivos e identificar oportunidades de recuperação de valores pagos no passado. Além disso, o efeito dessa tese não se limita ao setor privado, pois pode inspirar mudanças na legislação e influenciar futuras decisões judiciais, caso se confirme que as horas extras não devem ser consideradas na base de cálculo da contribuição previdenciária.

A decisão favorável à exclusão da contribuição previdenciária sobre as horas extras pode ter diversos impactos significativos na esfera trabalhista, tanto para empregadores quanto para empregados. A principal mudança é a revisão da forma como as horas extras são tratadas, não mais como uma verba remuneratória, mas como uma verba de natureza indenizatória. A seguir, detalho os principais reflexos dessa decisão:

  1. Possibilidade de redução do valor da contribuição previdenciária do trabalhador
    Se a tese for consolidada, ela tem condições de resultar em uma mudança importante para os empregados que recebem horas extras. A contribuição previdenciária, que atualmente incide sobre as horas extras, representa uma dedução do salário do trabalhador, correspondendo a cerca de 11% do valor das horas extraordinárias recebidas. Se as horas extras passarem a ser tratadas como verba indenizatória, como argumentado pela defesa das empresas, os trabalhadores também podem pleitear que não haja mais a retenção desse percentual sobre as horas extras. Isso geraria um aumento no valor líquido do salário recebido pelos trabalhadores, beneficiando-os diretamente;
  2. Alterações nos acordos e convenções coletivas
    Com a mudança no entendimento jurídico, é possível que as empresas e os sindicatos dos trabalhadores passem revisar acordos e convenções coletivas que tratam do pagamento das horas extras. Atualmente, muitas dessas negociações consideram as contribuições previdenciárias como parte dos custos da empresa e do salário do trabalhador. Se a tese for adotada, pode ser necessário negociar novos termos, como a forma de compensação ou a divisão do impacto financeiro, já que as empresas teriam que revisar seus cálculos sobre as contribuições devidas;
  3. Recuperação de valores pagos indevidamente
    Com a mudança de entendimento sobre a natureza das horas extras, os trabalhadores também podem ter a oportunidade de pleitear a restituição de valores pagos indevidamente a título de contribuição previdenciária sobre horas extras. Caso a decisão sobre a não incidência seja definitiva, os trabalhadores poderão recorrer à Justiça para buscar a devolução desses valores pagos nos últimos cinco anos, o que pode resultar em uma compensação financeira significativa. Essa viabilidade de recuperação pode gerar um aumento na litigiosidade trabalhista, com mais demandas individuais e coletivas;
  4. Impacto nas ações trabalhistas
    A decisão também tem o condão de influenciar o andamento de outras ações trabalhistas relacionadas à contribuição previdenciária sobre as horas extras. Muitas dessas ações estão em andamento, e, caso a tese da natureza indenizatória seja reconhecida, haverá a expectativa de revisitar esses casos, tanto para corrigir cálculos de contribuições como para possibilitar a devolução de valores pagos de forma indevida. Isso abriria caminho para uma série de litígios, já que as empresas podem ter que revisar os valores pagos aos empregados ao longo dos últimos anos;
  5. Repercussões nas compensações e créditos tributários
    Além de impactar diretamente a relação de trabalho entre empregados e empregadores, a mudança na interpretação da natureza das horas extras também é capaz de afetar as compensações de créditos tributários. Muitas empresas, após o reconhecimento da tese, podem buscar compensar os valores pagos a mais de contribuição previdenciária, e isso também tem potencial para envolver uma revisão nas relações trabalhistas, caso as compensações não sejam aceitas automaticamente. Os empregados que se beneficiem dessa compensação poderão ter que lidar com as implicações fiscais dessas mudanças, com possibilidade de gerar novos desdobramentos nas esferas tributária e trabalhista;
  6. Potencial para novos entendimentos jurisprudenciais
    O impacto da decisão poderá também incentivar outros tribunais a reavaliar a questão. Se o entendimento de que as horas extras possuem natureza indenizatória se consolidar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), é provável que seja seguido por tribunais trabalhistas em futuras decisões. Isso levaria à possibilidade de criar um novo padrão em relação ao tratamento das horas extras nas relações de trabalho, com implicações que vão além da Previdência Social e envolvem a forma como os contratos de trabalho e os acordos coletivos são estruturados.

Em resumo, a decisão favorável à exclusão da contribuição previdenciária sobre as horas extras pode gerar uma série de mudanças importantes na esfera trabalhista, impactando tanto as condições financeiras dos trabalhadores quanto as práticas das empresas no que diz respeito à gestão de tributos, acordos coletivos e litígios trabalhistas. A recuperação de valores pagos indevidamente, o impacto nas ações trabalhistas e nas compensações tributárias são apenas algumas das consequências que essa tese é capaz de gerar , exigindo um acompanhamento contínuo dos envolvidos para se ajustar ao novo cenário jurídico.

Por fim, mesmo com a possibilidade de um impacto positivo, as empresas devem estar atentas aos riscos envolvidos, pois a tese ainda está sendo contestada e depende de um entendimento definitivo por parte dos tribunais superiores. O cenário permanece instável, e uma decisão final do STJ pode levar algum tempo.

No entanto, as empresas que já estão em processo de compensação ou reavaliação de créditos tributários relacionados a horas extras precisam manter-se informadas e acompanhar de perto os desdobramentos dessa discussão.

 

Jéssica Xavier Santana e Diego Pereira de Araújo Gomes

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