21/08/2024

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O fracasso do MRAE Piauí e a necessidade de se repensar os projetos de infraestrutura

O recente fracasso da Concorrência Pública nº 01/2024/SEAD para a concessão dos serviços de água e esgotamento sanitário da Microrregião do Piauí (MRAE), pela ausência de apresentação de propostas (cf. aviso publicado no DOE de 15/08/2024), novamente suscita dúvidas acerca do modelo de estruturação dos projetos governamentais no Brasil.

Em épocas de escassez de recursos no mercado, parece-nos óbvia não ser mais admitida a tentativa de maximização dos ganhos do ente licitante, com o pagamento de outorgas fixas (em valores altos e, ainda, em parcela única), em detrimento do próprio interesse público que o modelo de parcerias visa atender – o que, em que pesem as justificativas apresentadas no Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) do projeto, se mostrou ter sido uma opção equivocada da Administração Pública.

Diferentemente de outros momentos históricos, em que o direcionamento do projeto às expectativas do ente licitante resultara em grandes ágios influenciados por vieses otimistas – e, posteriormente, em diversas ocorrências da “maldição do vencedor” até hoje “em equacionamento” – a concessão do MRAE Piauí aponta para uma nova realidade nos negócios públicos-privados.

O maior aprofundamento dos estudos pré-bid pelos potenciais interessados no ativo público, resulta, obrigatoriamente, como forma de assegurar a competitividade e o sucesso do certame, no reconhecimento da necessidade de estabelecimento de parâmetros e protocolos que permitam ao estruturador a constante aferição (previamente ao lançamento do edital), do alinhamento do projeto não só à estratégia de longo prazo do setor público, mas também à sua viabilidade para o setor privado. Isso não é assegurado com a mera observância à obrigatoriedade de realização de consulta e audiência pública nos moldes tradicionalmente aplicados.

Em uma tentativa de estabelecimento de aprimoramento dos protocolos de estruturação, a Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia – SDI/ME (2019/2022) desenvolveu robusto ferramental para auxiliar na estruturação, avaliação e seleção de projetos de investimento em infraestrutura. É consubstanciado, primeiro, pelo Guia Geral de Análise Socioeconômica de Custo-Benefício (Guia ACB), bem como pelo Guia Referencial Modelo de Cinco Dimensões (M5D), adaptado do Five Case Model da Infrastructure and Projects Authority do Reino Unido.

Tal modelo de estruturação visa estabelecer, em uma abordagem holística da estruturação de negócios, “uma maneira estruturada de avaliar progressivamente os aspectos estratégicos, econômicos, comercial, financeiros e gerenciais de um projeto”, auxiliando na implantação de projetos “bem fundamentados, financeiramente viáveis e [que] contribuam para os objetivos gerais do governo” (TUROLLA, Frederico, et alli. Novos protocolos na estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil. Working Paper PSPHUB#004, 2023, p. 16).

O principal diferencial do modelo é a promoção de maior transparência, accountability (que podemos traduzir como responsabilização) e interação com os stakeholders, bem como sua adaptabilidade, o que, via de consequência, a experiência internacional tem demonstrado produzir estudos mais realistas, detalhados e robustos, com maior atratividade para investidores e maior retorno social (Value for Money).

Sob esse enfoque, os Estados de Minas Gerais (por meio da CODEMGE) e Rio Grande do Sul (Secretaria de Parcerias e Concessões), bem como o Município de Maceió/AL (Secretaria de Ações Estratégicas e Integração Metropolitana), têm paulatinamente buscado implementar processos de avaliação mais estruturados, ainda que em estágios iniciais.

Na União Federal, nada obstante a desestruturação das iniciativas da SDI/ME a partir de 2023, a incorporação do M5D pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como base do Referencial para Controle Externo de Concessões e Parcerias Público-Privadas (BTCU Especial, Ano 43, n. 18, jul/2024), bem como do Guia Técnico OLACEFS GTInfra de Auditoria Externa de PPPs e Concessões (2024), deve se refletir nos projetos ora em estruturação pela Fábrica de Projetos do BNDES, pelo FEP CAIXA, ou mesmo naqueles incentivados pelo PPI.

Embora possua natureza burocrática, o M5D apresenta ferramental útil à identificação de prioridades e melhores soluções para os problemas a serem solucionados pelos projetos governamentais, tais como (i) a matriz marco lógico, (ii) a problem tree, (iii) a metodologia SMART, (iv) a estrutura de opções, (v) a análise SWOT, e (vi) a ACB Socioeconômica. Na outra ponta, incrementa a realização de consultas ao mercado por meio de market sounding e roadshows.

Tais ferramentais, se bem utilizadas, tendem a tornar o processo de estruturação de projetos mais racional e transparente, afastando-se de otimismos irrealistas (notadamente da Administração Pública), bem como minimizando o risco de captura do estruturador. Em última instância, isso assegura melhor atendimento aos princípios licitatórios e ao interesse público subjacente à concretização da utilidade pública.

 

Yahn Rainer Gnecco Marinho da Costa

 

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