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Em termos históricos, a mineração no Brasil começou durante a colonização, influenciando a urbanização no interior do Brasil colônia. A busca por riqueza mineral atraía tanto colonos quanto a Coroa Portuguesa, evidenciando a ambição e a expectativa de prosperidade associadas à essa atividade. Esse contexto histórico é crucial para entender a trajetória da mineração no Brasil.
As consequências da mineração podem ser descritas como sendo tanto positivas quanto negativas. Se de um lado geraram emprego, infraestrutura e desenvolvimento econômico, de outro promoveram a degradação ambiental e não conseguiram substituir as condições precárias de vida para aqueles que trabalham na mineração. Há uma contradição entre a riqueza gerada pela atividade e a realidade de miséria e fome que aflige as comunidades mineradoras. Apesar de haver a expectativa de fortuna, a história revelou um aspecto sombrio onde a prosperidade da mineração não se traduziu em melhoria para a população local. Isso se deve, talvez, pela ausência de planejamento, desigualdade no acesso à propriedade e à produção acentuando a divisão social e econômica, além da ausência de técnicas adequadas e tecnologias apropriadas, contribuindo para a exploração e os impactos negativos da mineração.
Muito provavelmente a percepção atual negativa da atividade minerária encontra respaldo neste contexto histórico, pois, mesmo com o passar dos séculos, a mineração ainda enfrenta desconfiança e oposição por parte da sociedade. Isso indica um legado histórico que permeia a percepção pública da mineração, associando-a à exploração e à degradação social e ambiental, que persistem no imaginário coletivo.
Em suma, analisando o panorama histórico, a mineração no Brasil evidencia suas contradições e os desafios que permeiam essa atividade. O legado histórico de exploração e a falta de planejamento estrutural, aliados aos impactos sociais negativos, moldaram a visão contemporânea da mineração, trazendo à tona a necessidade de uma abordagem mais sustentável e equitativa na gestão das atividades mineradoras.
O tema é muito rico sob diversos aspectos (econômicos, legais, sociais, ambientais, etc.). Entretanto, iremos nos ater somente à mineração artesanal, ou garimpo, que é uma atividade rica em complexidades, envolvendo elementos sociais, ambientais e econômicos que se entrelaçam. Essa complexidade sugere que a mineração não é uma simples atividade econômica, mas que também afeta e é afetada por diversas realidades da sociedade.
É importante acompanharmos a evolução do conceito jurídico de garimpo. Dessa forma, enriquecerá a compreensão da atividade e possibilitará uma avaliação crítica das práticas e normas atuais que regem a mineração em pequena escala. Isso indica a relevância da integralidade do conceito de garimpagem na história e desenvolvimento da mineração no Brasil.
O Decreto n. 24.193/1934 foi um dos primeiros marcos legais a abordar formalmente a atividade de garimpagem. Ele reconheceu a necessidade de regulamentar o garimpo e a faiscação (termo utilizado para a exploração do ouro aluvionar) com comandos claros sobre a matrícula dos trabalhadores, visando proteger os interesses dos garimpeiros. O artigo 1º define garimpagem como “o trabalho de extração de pedras preciosas dos rios ou córregos”, destacando o seu caráter rudimentar e informal.
Já o Código de Minas de 1940 (Decreto-Lei n. 1.985) alterou a abordagem anterior, considerando “livres os trabalhos do gênero da faiscação” e regulamentou o caráter rudimentar das lavras, associando tarefas a um sistema social e econômico de produção. O artigo 62 reforça a ideia de informalidade e atividades não organizadas sob um framework legal.
Por sua vez, o Código de Mineração (Decreto-Lei n. 227/1967) veio atualizar a legislação, redefinindo a garimpagem e focando na “individualidade do trabalho”, o que pode ser uma mudança significativa em relação ao que se esperava anteriormente, onde a ideia de associativismo era promovida. O artigo 70, inciso I, caracteriza a garimpagem como trabalho com “instrumentos rudimentares”, sinalizando uma abordagem simplificada em comparação com a mineração convencional.
Esta mudança para uma definição que destaca o “caráter individual do trabalho” teve implicações negativas no futuro, sugerindo itinerância e fragilidade do status da garimpagem. A intenção original do legislador, de incentivar a organização coletiva entre garimpeiros, é contrabalançada pelo reconhecimento da garimpagem como uma prática marginalizada perante os grandes empreendimentos mineradores.
A separação entre mineração organizada e garimpagem refletiu uma clara intenção política, visando limitar a produção aos grandes capitais. Isso sugere que a abordagem foi deliberada para marginalizar as práticas de garimpo e favorecer o controle da mineração pelas grandes empresas.
Identificam-se dois fatores cruciais que caracterizam a atividade de garimpagem: 1. Uso de instrumentos e máquinas simples; e 2. Tipo de depósito minerado (aluvionar, coluvionar e eluvionar). Esses elementos são interdependentes e impactam diretamente nas técnicas e na viabilidade econômica da extração mineral, destacando a necessidade de atender às condições geológicas locais para que a atividade garimpeira seja sustentável.
A Constituição Federal de 1988 marca um divisor de águas na abordagem da garimpagem no Brasil. Altera profundamente a percepção sobre essa atividade e busca integrá-la de forma mais abrangente ao contexto socioeconômico e ambiental do país. Anteriormente, a garimpagem era vista principalmente como uma prática rudimentar e individual, conforme refletido nas legislações anteriores, como o Código de Mineração. Essa visão limitava o potencial da atividade e ignorava suas complexidades e impactos na sociedade.
A nova Constituição de 1988 reconheceu a garimpagem como parte integrante do setor mineral, evidenciando sua relevância para o desenvolvimento econômico local e nacional. Isso se deu por meio de dispositivos que promovem a regularização da atividade, a defesa dos direitos dos trabalhadores do setor e a proteção das comunidades envolvidas. Com isso, a Constituição de 1988 praticou uma mudança paradigmática: a garimpagem deixa de ser encarada apenas como uma forma de exploração aleatória dos recursos naturais e passa a ser valorizada por seu potencial de desenvolvimento sustentável.
Um dos principais avanços da Constituição de 1988 está contido no artigo 225, que assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial para a sobrevivência e a qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Este dispositivo estabelece que a proteção ambiental é um direito de todos e que cabe ao poder público e à coletividade proteger a natureza. Ao responsabilizar o minerador pela recuperação da área degradada (§2º, do artigo 225), a Constituição não só promove a sustentabilidade, mas também coloca a atividade garimpeira sob o imperativo de respeitar e conservar os recursos naturais.
Além do reconhecimento da proteção ambiental, a Constituição de 1988 enfatizou a importância do cooperativismo no setor minerário, especialmente no que tange à organização dos garimpeiros. Em seu artigo 174, determina que o Estado deve favorecer a organização dos garimpeiros em cooperativas, que servem como uma forma de defesa dos interesses profissionais da categoria. Essa promoção do associativismo visou não apenas melhorar as condições de trabalho e aumentar os rendimentos, mas também garantir que a atividade seja conduzida dentro de parâmetros mais racionais e adequados à realidade contemporânea.
A doutrina sobre direito ambiental e mineração elucida a transição proposta pela nova Constituição de 1988, salientando a importância de se criar um marco regulatório que não só reconheçeu a garimpagem como uma atividade econômica viável, mas que também assegurou que essa atividade fosse realizada de maneira sustentável. Segundo autores como José Afonso da Silva e Guilherme de Souza Nucci, a nova ordem constitucional estabeleceu um compromisso do Estado e da sociedade em buscar uma convivência harmônica entre a exploração de recursos naturais e a preservação ambiental, enfatizando que o desenvolvimento econômico não deve ocorrer à custa da degradação ambiental.
A Constituição Federal de 1988 não apenas transformou o panorama político e social brasileiro, mas também proporcionou as bases necessárias para uma nova abordagem em relação à garimpagem. Com a incorporação de princípios de sustentabilidade, responsabilidade social e promoção do cooperativismo, a nova ordem constitucional apresenta desafios e oportunidades para construir um futuro mais justo e equilibrado para as atividades mineradoras. Essa mudança de paradigma é essencial para garantir que a garimpagem não seja vista apenas como uma exploração de recursos, mas como uma atividade que pode contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país, respeitando e protegendo os ecossistemas que sustentam a vida.
Posto isto, é razoável afirmar que a garimpagem é caracterizada como uma atividade técnica e econômica que, apesar de seus desafios, deve ser gerida de forma a alinhar-se aos princípios do desenvolvimento sustentável. A Constituição buscou privilegiar o cooperativismo entre garimpeiros ao invés da individualidade.
A Lei Federal n. 7.805/1989 (Lei da PLG) foi uma significativa evolução na legislação mineral brasileira. Esta lei introduziu o regime de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG). A garimpagem é formalmente reconhecida e regulamentada. O conceito de garimpeiro é ampliado para significar a exploração imediata das riquezas minerais, sem limitações técnicas, sendo essencial respeitar as condicionantes regulatórias.
Dispôs que todas as atividades minerárias devem ser precedidas por licenciamentos ambientais, enfatizando a necessidade de procedimentos adequados para a proteção ambiental.
O papel da Agência Nacional de Mineração – ANM na outorga de títulos de exploração na modalidade garimpeira é abordado, enfatizando que, além do aspecto minerário, a análise deve incluir as questões sociais e ambientais (artigo 11).
Uma inovação importante foi a possibilidade de realização de pesquisas em áreas de lavra garimpeira, reconhecendo a necessidade de evolução técnica e econômica dos garimpeiros. Essa colaboração estabelece uma compatibilidade entre regimes de aproveitamento mineral, permitindo sinergia entre garimpos e minerações maiores.
Enfim, a regulamentação buscou integrar a garimpagem ao setor mineral organizado, destacando que o garimpo deve ser uma atividade regular e produtiva. A menção à evolução das preocupações sociais e ambientais dentro do setor é enfatizada, sugerindo que práticas de desenvolvimento sustentável devem ser reflexivas sobre a operação mineradora.
A introdução dos conceitos de ESG (ambiental, social e governança) na mineração mostra um movimento global que está influenciando as práticas do setor, instando empresas a considerar suas responsabilidades socioambientais. O papel do garimpo neste contexto é reafirmado como potencial motor de desenvolvimento sustentável e social.
O garimpo deve ser gerido sob a óptica do desenvolvimento sustentável, reconhecendo que, apesar da natureza exaurida de sua atividade, práticas sustentáveis podem mitigar impactos e gerar benefícios econômicos e sociais ao longo do tempo.
A atividade garimpeira, embora muitas vezes associada a práticas informais ou ilegais, não deve ser confundida com estas.
No Brasil, o garimpo é uma atividade reconhecida e regulamentada. Há no bojo regulatório brasileiro a permissão para que garimpeiros operem dentro de um marco legal, promovam a organização da sua atividade sob condições que assegurem tanto a viabilidade econômica quanto a proteção ambiental.
Quando realizada de acordo com as normativas vigentes, a garimpagem pode se tornar uma fonte legítima de renda e desenvolvimento para diversas comunidades, respeitando os direitos sociais dos garimpeiros, bem como as exigências de licenciamento ambiental. Assim, a legalização e a regulamentação da atividade são fundamentais para dissociar o garimpo de práticas clandestinas, promovendo uma cultura de responsabilidade e respeito às leis que regem a exploração dos recursos naturais.
O garimpo é uma atividade com relevância significativa, não apenas econômica, mas também histórica e social, que deve ser reconhecida e valorizada em um contexto mais amplo de desenvolvimento e sustentabilidade.
Esta rápida análise buscou evidenciar a transição das normas e a mudança de percepção sobre o garimpo, buscando uma regulamentação que considere a complexidade dessa atividade como parte do setor mineral em um ambiente sustentável e cooperativo.
Fábio Martinelli