28/01/2025

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O reequilíbrio (ou será desequilíbrio?) das concessões públicas após a Reforma Tributária: quem vai pagar a conta?

A regulamentação da reforma tributária por meio da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, traz impactos óbvios (mas ainda pouco explorados) em todos os contratos firmados pela Administração Pública, principalmente naqueles de longo prazo.

Além do clássico “fato do príncipe” imposto por alterações tributárias desse gênero – cujo reequilíbrio é mandatório nos termos do art. 65, II, “d” da Lei Federal nº 8.666/1993, e do art. 124, II, “d” da Lei Federal nº 14.133/2021 –, a reforma prevê o necessário reajustamento contratual para “assegurar o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro em razão da alteração da carga tributária efetiva suportada em decorrência do impacto da instituição do IBS e da CBS”, incluindo-se expressamente as concessões públicas (art. 374), em regulamentação ao art. 21 da Emenda Constitucional nº 132/2023.

Destaque-se que, apesar de a Lei Federal nº 14.133/2021 determinar a observância à repartição objetiva de riscos nos casos de reequilíbrio – e parcela relevante da doutrina ser veementemente contrária à modificação da matriz de riscos durante a execução contratual –, o próprio legislador optou por afastar discussões, proporcionando maior segurança jurídica à iniciativa privada ao apontar a aplicabilidade expressa do reequilíbrio extraordinário aos casos em que prevista como responsabilidade da contratada a assunção dos riscos tributários (art. 374, §2º).

Entre 2026 e 2033 (período de transição da reforma), as contratadas deverão aferir concretamente a carga tributária efetiva suportada. Para isso, precisam levar em consideração eventuais efeitos da não cumulatividade fiscal, da possibilidade de repasse do encargo financeiro a terceiros, bem como benefícios e incentivos fiscais ou financeiros eventualmente detidos originalmente, mas atrelados a tributos extintos por meio da Emenda Constitucional (art. 374, §1º). Feito isso, devem apresentar o correspondente pedido de reequilíbrio devidamente instruído com os respectivos cálculos e demais elementos que comprovem o efetivo desequilíbrio econômico-financeiro (art. 376, IV).

Ressalte-se também que a Lei Complementar possibilita que as contratadas ingressem com pleitos de reequilíbrio “a cada nova alteração tributária que ocasione o comprovado desequilíbrio” (art. 376, I, “a”), acarretando maior complexidade e dinamicidade às tratativas administrativas. Assim, se mostra importante que as contratadas fiquem atentas à efetiva concretização dos efeitos do desequilíbrio e atuem de modo proativo na relação público-privada. Desta forma, inaugura-se uma via de diálogo institucional que assegura a melhor forma de manutenção do vínculo contratual.

O processo de reequilíbrio – normalmente lento (e, muitas vezes, silente) – terá tramitação prioritária legal (art. 376, III) e prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período, para solução definitiva pela Administração Pública (art. 376, §1º).

Igualmente encontra-se prevista a possibilidade de reequilíbrio cautelar (ou provisório, na terminologia adotada na legislação) para os casos em que “a contratada demonstrar relevante impacto financeiro na execução contratual decorrente da alteração na carga tributária efetiva, devendo a compensação econômica ser revista e ajustada por ocasião da decisão definitiva do pedido” (art. 376, §4º). Esta é uma inovação recente na prática administrativa, notadamente em razão dos efeitos da pandemia de Covid-19, que muitas vezes se mostra essencial para a manutenção da prestação de serviços públicos essenciais.

Ademais, nos casos em que constatada redução da carga tributária efetiva, a Administração Pública deverá proceder ao reequilíbrio “de ofício”.

Nas concessões de serviço público, todavia, um aspecto essencial há de ser ponderado.

Apesar de o art. 376, V, prever como possíveis mecanismos de reequilíbrio (a) a revisão dos valores contratados, (b) compensações financeiras, ajustes tarifários ou outros valores contratualmente devidos à contratada, (c) renegociação de prazos e condições de entrega, (d) elevação ou redução de valores devidos à administração pública, inclusive aqueles referentes à outorga, (e) transferência de parte de custos ou encargos originalmente atribuídos à outra parte contratual, e (f) outros métodos considerados aceitáveis pelas partes, o §2º de referido artigo estabelece que “o reequilíbrio econômico-financeiro será implementado, preferencialmente, por meio de alteração na remuneração do contrato ou de ajuste tarifário”.

Formas alternativas de reequilíbrio, por sua vez, somente poderão ser adotadas pela Administração com concordância expressa da contratada. O diálogo público-privado, pautado nos padrões éticos e de transparência, se mostrará, portanto, essencial para viabilizar uma atuação eficaz e que reestabeleça o equilíbrio econômico-financeiro contratual de forma efetiva e menos custosa (principalmente para o usuário).

A reforma tributária, portanto, terá impactos diretos nos serviços públicos, principalmente pelo aumento das tarifas – um tema complexo e politicamente sensível.

Em setores como o de saneamento básico, por exemplo, estudos da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto

(ABCON SINDCON) estimam que o impacto direto na tributação incidente sobre os serviços seja de, aproximadamente, 18% (passando dos atuais 9.74%, para 26,50%), o que, nos exatos termos da Lei Complementar nº 214/2025, deverão ser repassados à tarifa cobrada dos usuários (ou coberto pelo governo através de subsídios). Isso dificilmente será obtido pelas concessionárias pela via administrativa e necessitará de maiores esforços nos processos de negociação.

Considerando o contexto da Reforma Tributária e o subsequente reequilíbrio das concessões públicas, é imperativo que todas as partes envolvidas – tanto a Administração Pública quanto as concessionárias – atuem com transparência e cooperação. A complexidade dos ajustes necessários e as possíveis repercussões econômicas tornam fundamental um diálogo contínuo e aberto, visando minimizar os impactos negativos sobre os usuários finais dos serviços públicos. Somente através de uma abordagem colaborativa e adaptativa será possível navegar pelos desafios impostos pela nova legislação, garantindo a sustentabilidade e a eficiência das concessões públicas no longo prazo.

 

Yahn Rainer

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