23/09/2021

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Porto Advogados na Imprensa – O Globo.com – Para abrir caminho às ferrovias

Nos quase 170 anos após a inauguração, por Dom Pedro II, da primeira linha férrea no país — Estrada de Ferro Petrópolis, ligando o Porto Mauá a Fragoso, no Rio de Janeiro, com 14 quilômetros —, muito pouco se avançou neste setor, principalmente diante da quase completa ausência de investimentos nas últimas décadas. Os registros referentes aos séculos XIX e XX se enquadram, sem ajustes, aos dias atuais. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) retrata com muita precisão as dificuldades naquela época, que servem para relatar o atual cenário.

As dificuldades e desafios para implantar estradas de ferro no Brasil eram muitos. Procurando atrair investidores, o governo implantou um sistema de concessões, que se tornou característico da política de infraestrutura do período imperial. Entre o fim do século XIX e o início do século XX, os recursos, sobretudo dos britânicos, alavancaram a construção de linhas férreas.

A expansão ferroviária, além de propiciar a entrada de capital estrangeiro, tinha o objetivo de incentivar a economia exportadora. Dessa forma, as primeiras linhas interligaram os centros de produção agrícola e de mineração aos portos diretamente ou vencendo obstáculos à navegação fluvial. Vários planos de viação foram elaborados na tentativa de integrar a malha ferroviária e ordenar a implantação dos novos trechos.

O Brasil, com dimensões continentais, possui poucos corredores logísticos, responsáveis pela movimentação de pouco mais de 20% das cargas. Cerca de 30% da malha ferroviária está subutilizada e fora de operação.

Atualmente, se levarmos em conta apenas a extensão da malha ferroviária em atividade, o país possui a mesma quantidade referente a 1910, com aproximadamente 20 mil quilômetros de trilhos em operação. Como comparativo, os EUA têm cerca de 230 mil quilômetros.

Com o objetivo de tirar o país deste cenário, o governo federal editou recentemente a Medida Provisória 1.065, vigente desde 30 de agosto. Antes da edição da MP, era possível a participação do setor privado na atividade ferroviária somente sob os regimes de concessão ou permissão, ambos dependentes de processo licitatório.

Com o propósito de transpor a barreira do moroso procedimento de contratação e considerando a maturidade do setor — sobretudo em nível global —, o novo marco legal contempla uma modificação profunda de regime jurídico, ao trazer para o setor ferroviário o instituto da autorização, no qual não é necessário promover licitação.

Conforme a MP, tal regime permite ao interessado apresentar diretamente ao Ministério da Infraestrutura ou mediante processo de chamamento público um projeto de exploração de linhas férreas: (i) não implantadas; (ii) sem operação; (iii) em processo de devolução ou desativação; (iv) outorgadas a empresas estatais, exceto as subconcedidas; e (v) as vias férreas ociosas.

Cabe ao Ministério da Infraestrutura realizar estudo sobre a proposta do requerente e, se for o caso, autorizar sua implementação, que deverá ser formalizada por meio de contrato de adesão. O prazo do contrato não poderá ser superior a 99 anos, mas pode ser prorrogado por períodos iguais e sucessivos, desde que a autorizatária manifeste prévio e expresso interesse e esteja com a infraestrutura em operação.

Uma questão interessante é a possibilidade de a concessionária, com contrato vigente na data de publicação da MP, requerer a adaptação do contrato de concessão para autorização. A adaptação, cuja decisão final caberá ao Ministério da Infraestrutura, será possível quando uma nova ferrovia, construída a partir de autorização, entrar em operação e acarretar concorrência entre a concessionária e a autorizatária.

Outra possibilidade de adaptação ocorre diante da existência de pessoa jurídica integrante do mesmo grupo econômico da atual administradora ferroviária, de forma a expandir a extensão ou a capacidade, no mesmo mercado relevante, em percentual não inferior a 50%. A figura da autorização já é conhecida do nosso ordenamento jurídico, valendo destacar a sua ampla utilização nos setores de telefonia móvel e portuário. Recentemente, a denominada “Lei do Gás” também instituiu a possibilidade da autorização.

Por fim, mas não menos interessante, é a possibilidade de concepção das ferrovias registradas. O artigo 17 dispõe que será admitida a construção e exploração de ferrovias particulares mediante registro na ANTT, desde que localizadas exclusivamente em áreas privadas e observadas as diretrizes da política nacional de transportes ferroviários.

A MP prestigia a liberdade para empreender, alocando aos interessados o gerenciamento de riscos e recursos de seu negócio. No mesmo dia da sua publicação no Diário Oficial da União, o projeto de lei (PLS 261/2018), que trata da mesma matéria e que se encontra no Senado desde o início do ano, teve novo parecer apresentado por seu atual relator, senador Jean Paul Prates.

Independentemente dos trâmites legislativos a serem percorridos tanto pela MP (já vigente) quanto pelo PLS 261/2018, o que se espera é alcançar a segurança jurídica necessária para a concepção de novos projetos de infraestrutura ferroviária, com maior previsibilidade e, consequentemente, numerosos investimentos no setor. Com o novo marco legal, o transporte ferroviário, que há muito estava esquecido, será um dos segmentos protagonistas no país, diante da importância social e econômica almejada na atual crise econômica.

https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/para-abrir-caminho-ferrovias.html

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